As eleições de 2022 vêm sendo apontadas como uma das maiores e mais importantes da história brasileira. A afirmação não se dá apenas pelos números envolvidos na disputa. O país terá neste ano o maior eleitorado já registrado, com 156 milhões de pessoas aptas a votar. Mas a relevância do processo eleitoral deste ano vai além.
A exatos dois meses das eleições, a expectativa dos eleitores aumenta, e não apenas pela confirmação dos candidatos e pelo clima que habitualmente cerca as disputas eleitorais. Em 2022, a discussão sobre as eleições vem acompanhada de preocupações quase estruturais. São apelos em defesa da democracia, convocação de atos populares e até ameaças de teor golpista. Um contexto que faz a disputa nacional nas urnas em outubro ser encarada como mais do que uma decisão sobre alternância de poder, mas até mesmo uma garantia para que esse poder seja mantido.
Na semana passada, a divulgação de uma carta em defesa da democracia mobilizou lideranças de diferentes setores. Empresários, banqueiros, professores, artistas e outros profissionais assinaram o documento que defende o respeito à Constituição e ao processo eleitoral e reforça a segurança do voto eletrônico. O texto deixa claro o temor de “perigo à normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”. Até a noite desta segunda-feira (1º) quase 650 mil brasileiros já haviam endossado o manifesto, incluindo lideranças catarinenses.
Como reação, o presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um “manifesto próprio” de 180 caracteres, se dizendo também a favor da democracia. Em entrevista, ele afirmou que a carta seria uma “reação de banqueiros” descontentes com o Pix. Nesta segunda, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) disse que a ampla adesão à carta é “pânico injustificado”.
Transição de poder é ponto de incerteza
O doutor em Sociologia e professor de Ciência Política da Esag Udesc Julio Souto confirma que a eleição deste ano será histórica e significativa ao país. Ele afirma que do ponto de vista eleitoral, a disputa de 2022 não é tão diferente das eleições presidenciais de anos anteriores. A chamada polarização, com concentração de intenção de votos em dois candidatos nas pesquisas, já foi uma tônica em outros anos, como 2010 e 2014.
É na incerteza sobre o que pode acontecer depois da votação que reside a maior preocupação com as eleições deste ano. Uma insegurança que dá à disputa um papel de importância na história da democracia brasileira.
— O ponto de incerteza que ainda temos é sobre a transição de poder posterior a essa eleição. Ou seja, se Bolsonaro, em caso de derrota, realizará uma entrega de poder pacífica, se aceitará o resultado — pontua.
A insegurança se apoia em cenas como a invasão do Capitólio, feitas por manifestantes descontentes com o resultado das eleições dos Estados Unidos, em 2020, e em afirmações do presidente Jair Bolsonaro que já sinalizaram um flerte, ao menos retórico, com possíves intervenções sobre a ordem democrática. O episódio mais recente foi o evento em que Bolsonaro colocou em dúvida a segurança das eleições no país em fala a embaixadores internacionais.
Os sinais sobre como será o processo eleitoral no país podem surgir em atos convocados para as próximas semanas. Em 11 de agosto, entidades como Fiesp e Febraban promovem mobilização em defesa da democracia. Já para 7 de Setembro, o presidente já convocou, na convenção que homologou sua candidatura à reeleição, novos protestos que devem repetir o tom de ataques a instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e à votação eletrônica.
— A importância atualmente reside principalmente nisso. Se a democracia brasileira vai seguir com essa estabilidade, que, digamos, já é bastante precária desde 2013, 2016, e se vai existir uma possível transição de poder pacífico, ou se teremos uma ruptura e como seria o desfecho dessa ruptura — avalia.
Nesse sentido, a própria carta em defesa da democracia já é vista pelo professor da Esag Udesc como um gesto importante de que a sociedade brasileira “não aceitará pacificamente tentativas de ruptura democrática”.
— Para além de seu valor moral inquestionável, do fato de que seja o sistema político mais valioso em termos quase “filosóficos”, há o fato de que a democracia também tem se mostrado o sistema político mais eficiente para gerar bem-estar da população — defende Souto.
Clima acirrado também deve marcar campanha
Em meio às expectativas sobre a sequência do processo democrático no país, as eleições de 2022 também podem ser marcantes pelo acirramento do clima de candidatos e eleitores. A situação chegou a um extremo em julho, quando um guarda municipal foi assassinato a tiros enquanto comemorava aniversário que tinha como tema da decoração o PT e o ex-presidente Lula. O cientista social e mestre em Sociologia Política Sérgio Saturnino Januário, da Exitus Comunicação e Pesquisa, afirma que essa eleição é baseada em confronto.
— É um conteúdo que se repete, se refaz. As últimas [eleições] foram isso, eleitores votaram como vingança, e não como projeto de país. E desta vez vão votar em termos de confronto. Não está discutindo programa de governo, nenhuma política educacional, econômica, pacto federativo, nenhuma agenda — avalia.
Na avaliação dele, estas eleições ainda vão fazer parte de um percurso a ser percorrido pelo país.
— Estamos em período de transição. Passamos pela estabilidade política e econômica, no governo Fernando Henrique, pelas ações de inclusão social e pela derrocada do período de Dilma para cá. A gente ainda não se encontrou, por isso ela (eleição) ainda é de transição — avalia.
Fonte(s): nsc
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