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Mulheres na política: Deputadas catarinenses falam sobre os desafios da profissão

Atualmente em SC, das 40 vagas na Alesc, apenas seis são ocupadas por deputadas
Mulheres na política: Deputadas catarinenses falam sobre os desafios da profissão

Para que as mulheres possam garantir a participação e o protagonismo na sociedade é necessário encarar uma grande barreira: as urnas. São duras realidades vivenciadas para conseguir a presença em casas executivas ou legislativas. Uma representatividade a ser conquistada que ainda segue distante do desejado. A batalha diária contra o preconceito e a desigualdade visa um objetivo em comum: dar voz às mulheres. São capítulos de conhecimento destinados na busca pela construção de um mundo melhor.

Em um cenário dominado por homens, a luta das mulheres no cenário político é uma trajetória marcada por grande resistência. Tudo veio aos poucos e claro com muita luta. Apesar do Brasil comemorar os 90 anos do voto feminino, atualmente o País tem apenas uma governadora de Estado (Maria de Fátima Bezerra, no Rio Grande do Norte) e uma prefeita de Capital (Cinthia Ribeiro, em Palmas (TO)). Além disso, segundo dados da Agência Câmara de Notícias, no ranking da União Interparlamentar sobre a participação das mulheres na política em 190 países, o Brasil ocupa a posição 145, ficando atrás de quase todos os países da América Latina

Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), dos 40 deputados eleitos na última eleição, apenas seis são mulheres (Ada de Luca, Ana Campagnolo, Dirce Heiderscheidt, Luciane Carminatti, Marlene Fengler e Paulinha). Esse número indica uma representatividade de apenas 15% de deputadas mulheres na Alesc.

Para falar sobre os desafios da profissão, o ClicRDC conversou com as deputadas catarinense Luciane Carminatti (PT) e Marlene Fengler (PSD).

Como surgiu a ideia para ingressar na carreira política?

Luciane Carminatti – Eu entrei na carreira política a partir de uma construção que houve na educação. Nós tivemos eleição para prefeito e vereadores e um grupo de professores começou a levantar a necessidade de ter uma representação que defendesse a pauta da educação. Naquele momento nós levantamos vários nomes e foi afunilando até chegar ao meu nome. Eu me lembro muito bem, isso foi em 1999, eu disse que não tinha perfil para isso, que eu era uma boa professora, que eu gostava do que eu fazia, mas para entrar na política não. Depois de muita insistência eu fui desafiada e de certa forma eu aceitei o desafio, primeiro porque eu gosto de desafios, segundo porque eu entendia que pela política nós poderíamos transformar algumas realidades que eu encontrava no dia-a-dia da escola. Eu entrei na política a partir de uma construção coletiva, feita comigo, lideranças e educadores.

Foto: Rodolfo Espínola/Agência AL

Marlene Fengler – Eu trabalhei por muitos anos como assessora e chefe de gabinete na Câmara Federal, no Senado e na Assembleia Legislativa catarinense.
Eu sou graduada em Letras, pela UFSC, mas para auxiliar os prefeitos que iam à Brasília em busca de recursos federais eu fiz uma pós-graduação em Políticas Públicas na Espanha. Daí eu conseguia entender melhor as demandas dos municípios e como poderiam ajudá-los a vencer as burocracias dos ministérios em Brasília. Esse período me deu muito conhecimento sobre os nossos municípios e suas necessidades. E eu fui cada vez mais gostando de desempenhar essa missão de ajudar as prefeituras. Depois de algum tempo, quando voltei pra Santa Catarina e era chefe de gabinete da presidência da Assembleia Legislativa, eu recebi quase uma convocação pra concorrer a uma vaga na Alesc. Minha primeira reação foi dizer não, que eu gostava de ajudar do jeito que estava fazendo. Mas o presidente da Alesc na época me disse que eu estava sendo incoerente, porque sempre defendia que as pessoas têm que fazer a parte delas, e que tinha chegado a minha hora e eu estava recuando. Não foi uma decisão fácil, eu pensei muito, mas realmente precisava ser coerente com aquilo que acreditava. Conversei com minha família, recebi apoio do meu marido, filho, de quase todo mundo. Meu pai não gostou da ideia, mas eu aceitei o desafio e hoje sou deputada estadual, eleita em 2028 pro meu primeiro mandato com 41.684 votos.

Qual foi sua primeira oportunidade na área?

Luciane Carminatti – Na verdade eu já atuava no poder executivo como diretora de Educação, mas não era uma atuação eletiva, era no executivo. Quando se definiu que eu deveria ser candidata a vereadora em nome desse coletivo de Educação, eu aceitei o desafio depois de vários meses de conversa e me elegi a quarta vereadora mais votada em Chapecó no ano de 2000. Foi o meu primeiro mandato como vereadora. Eu exerci o mandato por dois anos e dois anos eu fui secretária de Educação.

Marlene Fengler – Eu sempre gostei de estudar, minha mãe sempre nos incentivava, mas a gente morava no interior de Itapiranga, em Linha Ipê Popi, onde meus pais eram agricultores, e lá não tinha como continuar os estudos depois do básico. Então quando eu terminei o fundamental, fui trabalhar na casa de uma família na cidade pra fazer o segundo grau. Quando me formei, meus pais autorizaram que eu viesse morar na casa de um tio em Florianópolis, pra fazer faculdade. E durante o curso eu fiquei amiga de uma colega que me indicou pra uma vaga de secretária na empresa do futuro marido dela, que era o Paulinho Bornhausen. Mais tarde ele se elegeu deputado federal e me convidou pra trabalhar com ele em Brasília. Eu aceitei e daí em diante, como contei anteriormente, eu me dedicava cada vez mais em trabalhar para ajudar as prefeituras que iam no gabinete em Brasília pedir apoio e orientação para obterem recursos junto à União pra desenvolver projetos nos municípios.

Qual a história mais marcante da profissão?

Luciane Carminatti – Tem muitas histórias. Tem histórias de mulheres que têm filhos com deficiência e sabem que eu sou autora da lei do “Segundo Professor”, da lei de Educação Especial. Têm mulheres que me procuram porque sofrem violência, fazem denúncias e pedem apoio. Isso me incomoda muito no sentido de que precisamos proteger a vida dessas mulheres. Me incomoda muito a situação das escolas e a desvalorização dos profissionais da educação, porque é uma pauta que eu carrego desde o primeiro mandato. Têm muitas histórias de professores que reconhecem a nossa luta, que quando nos enxergam se emocionam, nos abraçam, dão muito carinho e afeto, isso é muito importante. Outras coisas muito importantes como colocar um milhão de reais para aquisição do primeiro tomógrafo do Hospital da Criança, em Chapecó e daqui a pouco uma pessoa próxima a você precisa de um exame para seu filho e daí você se dá conta que o aparelho que você colocou está ajudando pessoas. No dia que eu entrei no setor de radioterapia  do Hospital Regional do Oeste, quando eu lembrei que lá no primeiro mandato, nós fizemos uma grande esforço para comprar um aparelho de braquiterapia do HRO e você vê que ele ainda está lá, atendo a muitas mulheres que precisam desse serviço. Isso é algo que emociona. Quando colocamos o recurso, ele não tem rosto, ele não tem nome e sobrenome e quando você vê que aquele recurso tem nome, tem rosto e tem história é muito emocionante.

Marlene Fengler – Penso que mais do que ver a política como profissão, é preciso entendê-la como missão. E uma das bandeiras que defendo é o enfrentamento da violência contra as mulheres. Pra ter um diagnóstico mais preciso da situação e também pra conhecer as iniciativas desenvolvidas pelas instituições que atuam no combate ao problema, eu coordenei a realização de várias audiências públicas pelo estado em 2019, antes da pandemia. Foram momentos de muito aprendizado, de muita troca de experiências, mas também de muita dor. Eu conheci mulheres fortes, valentes que contaram suas histórias de vida, do sofrimento que enfrentaram em seus relacionamentos até conseguirem coragem para romper com o ciclo de violência. Algumas histórias me fizeram chorar, de tristeza e de emoção também, em ver a garra daquelas mulheres que conseguiram vencer esse drama familiar, muitas fugindo de casa com os filhos pequenos a tiracolo, sem nem saber pra onde ir, mas que sabiam que se ficassem seriam mortas, como muitas já foram.

Foto: Divulgação/Agência AL

Como vencer o preconceito em uma profissão dominada por homens?

Luciane Carminatti – Existe um preconceito ainda muito velado. A grosso modo falando, as mulheres estão no parlamento de igual para igual, mas quando você olha mesmo, não é de igual para igual. As principais comissões, a presidência não foi de mulher. A presidência da Alesc nunca foi de uma mulher. Então existe sim um preconceito velado, sem ser escancarado, mas ele existe. Eu acho que precisamos acumular forças e construir sentimentos na sociedade que os preconceitos não cabem, que os preconceitos atrapalham a construção de uma sociedade civilizada, de uma sociedade que olha para frente, de uma sociedade moderna, uma sociedade que constrói os direitos individuais do cidadão, uma sociedade que não se pauta por pré-conceitos. Precisamos construir essa cultura, porque construindo essa cultura, teremos mais força dentro do parlamento. Outro aspecto é que precisamos ser mais competentes ainda. Eu vejo que muitas vezes, muitos colegas não sabem o que estão votando ou não se apropriam dos projetos, mas nós mulheres somos colocadas à prova o tempo todo. Nós nos sobressaímos se nos qualificarmos mais. Então para a mulher, a cobrança é maior. Porque nós somos menos, então aparece mais. Se você tem 34 homens é mais difícil isso aparecer. Se você tem seis mulheres, é mais fácil isso aparecer. Temos que ler mais, estudar mais, se qualificar mais, dominar os assuntos e brigar muito pelo o que acreditamos. É muito comum você estar em uma comissão e ser a única mulher. Nesta construção, muitas vezes, quando você fala, você não é ouvida. Então tem um grande desafio e preconceito em relação a isso.

Marlene Fengler – Não é novidade que a política ainda é um universo machista e que mudar essa realidade vai levar um tempo, mas eu acredito que cada vez mais mulheres aceitarão esse desafio de ingressar na política e isso vai ser muito bom, porque representa um equilíbrio na representatividade. Eu sempre gosto de lembrar que apesar de, nós mulheres, sermos metade da população e do eleitorado temos baixa representatividade nos legislativos, em torno de 15%. Pra mudar isso é preciso que mais mulheres aceitem encarar o desafio, que não é fácil, exige coragem, dedicação e muita responsabilidade, mas é necessário. Temos que fazer a nossa parte e ocupar os espaços de poder para contribuir na construção de políticas públicas mais inclusivas. Hoje, se a gente olhar pra sociedade não vai ver todo mundo representado na Câmara Federal, Senado, Assembleias e Câmaras municipais. E essas instituições têm que ser espelho da sociedade, todo mundo tem que estar representado nelas. Mas pra isso, não basta só querer e reclamar que não tem espaço, tem que encarar e fazer a sua parte. E nós, mulheres, só vamos conseguir melhores políticas públicas em defesa dos nossos direitos, se trabalharmos por isso. Nesta legislatura, por exemplo, temos seis mulheres deputadas, o maior número da história da Assembleia de Santa Catarina. Graças a atuação da Bancada Feminina conseguimos implantar a Procuradoria Especial da Mulher e o Observatório da Violência contra as mulheres, duas importantes ferramentas de apoio às mulheres vítimas de violência e para diagnóstico da situação da violência contra as mulheres no estado, que pode servir pra definição de políticas públicas de enfrentamento.

Uma dica para quem sonha em seguir o mesmo caminho?

Luciane Carminatti – Eu penso que se temos mulheres querendo entrar na política, em primeiro lugar isso é muito importante, porque a democracia pressupõe rostos diferentes, pressupõe a representação da sociedade. É importante também que essas mulheres estejam apoiadas por pessoas que comungam com sua trajetória de vida, das suas histórias e que possam ajudar nesta caminhada. É muito difícil entrar na política sozinha. Você precisa de um grupo de apoio, que avalie com você, que pense, que planeje e que faça você refletir sobre as ações. Eu penso política mais coletivamente. Esse é o segundo aspecto. O terceiro aspecto é que você vai enfrentar muito machismo, você vai enfrentar assédios dos mais diferentes tipos e o que importa é o que você é. O que importa é ter a tranquilidade de fazer sempre o certo e estar aberta para ouvir, é muito importante ouvir É muito importante reconhecer que todas as pessoas precisam ser tratadas com o mesmo respeito, carinho e atenção. Eu digo no meu gabinete, se entrar o empresário mais poderoso do Estado, se entrar um prefeito, um vereador, uma professora, um mecânico ou um motorista, todos precisam ter o mesmo tratamento, a mesma delicadeza, a mesma atenção. Eu acho que isso faz diferença quando lidamos com pessoas e as pessoas percebem como nós tratamos todas e todos. Por último, eu sempre digo às mulheres. Nós temos medo? Temos! Mesmo com esses medos, não podemos permitir que eles sejam maiores que nós. Os medos são para superá-los e não para que eles nos dominem. Essa é a dica que deixo para todas as mulheres, enfrente seus medos!

Marlene Fengler – Acredite em você e não desista mesmo que parece impossível conseguir! Quando eu olho pra trás e lembro daquela menininha que caminhava quilômetros por estrada de chão pra ir e voltar da escola e me vejo hoje, enfrentando minha timidez em entrevistas pra imprensa, discutindo projetos de leis que mudam a vida das pessoas, trabalhando para levar mais recursos pro desenvolvimento da infraestrutura, saúde, educação e segurança nos municípios, eu penso que tá valendo a pena. Eu deixei minha zona de conforto, encarei o desafio de mudar totalmente a minha rotina e da minha família, mas tá valendo cada dia, porque eu sempre quis ajudar as pessoas e, com minha atuação parlamentar, eu tô conseguindo. Sou uma formiguinha trabalhando sem parar, mas tô fazendo a minha parte. E é nisso que eu acredito: se a gente quer mudanças, tem que fazer a sua parte.

Fonte(s): ClicRDC

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