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Furtos e roubos de armas em SC aumentam 27% sob governo Bolsonaro

Número de desvios de armas cresceu durante período de flexibilização do acesso a elas; especialista vê causalidade
Furtos e roubos de armas em SC aumentam 27% sob governo Bolsonaro

Santa Catarina teve 298 armas de fogo furtadas, roubadas ou perdidas nos primeiros seis meses deste ano. O número é 27% maior do que foi registrado no semestre inicial de 2019, quando 231 armas até então legais foram desviadas e, assim, passaram a poder servir a criminosos no mercado ilegal.

Os dados foram cedidos ao Diário Catarinense pelo Colegiado Superior de Segurança Pública catarinense. De 2019 ao último dia 14 de agosto, foram identificados 2.126 desvios no Estado: na média, houve ao menos três casos a cada dois dias.

O órgão estadual afirma não conseguir compilar números anteriores a esse período, já que as armas de fogo eram inseridas antes nos boletins de ocorrência da Polícia Civil, que integra o colegiado, sem categorização dos dados.

O gatilho do aumento

O intervalo de registros coincide com o período de governo Jair Bolsonaro (PL) no país. Para além disso, as mudanças ocorridas ao longo desse tempo estão também diretamente relacionadas a medidas do presidente, segundo avalia Bruno Langeani, pesquisador de políticas de controle de armas e gerente do Instituto Sou da Paz.

 

Já no primeiro semestre de seu governo, Bolsonaro passou a facilitar o acesso a armas por cidadãos comuns, com medidas inclusive que baratearam elas, e também a permitir a compra por civis de armas mais potentes e de maior calibre, caso de algumas pistolas, antes restritas a agentes de segurança, como policiais.

— Parte importante das armas do mercado criminal, como mostram nossas pesquisas, vem de armas legalizadas compradas por civis, empresas e polícias, e depois desviadas. Ao fazer crescer a massa de armas legais, crescem, por consequência, os desvios — diz Langeani, autor do recém-lançado "Arma de Fogo no Brasil: Gatilho da violência".

Mais armas, mais desvios

Existem hoje dois sistemas que registram o acesso a armas de fogo no país, um controlado pelo Exército Brasileiro e um outro pela Polícia Federal (PF).

O primeiro deles se trata do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), que, entre outras coisas, concede certificados de caçador, atirador ou colecionador (CACs) a civis, o que dá a eles o direito de registrarem armas. 

 

Um atirador certificado, por exemplo, pode ter hoje até 60 armas, que vão de revólveres a fuzis, e uma mesma pessoa pode receber mais de uma certificação.

Até 2018, o Brasil tinha 117.467 certificados ativos. Em 1º de junho deste ano, esse número já havia aumentado em 473% (673.818), segundo dados do próprio Exército, compilados pelo Anuário Brasileiro da Segurança Pública.

Só na região militar de Santa Catarina, que também integra o Paraná, eram 109.918 registros ativos em dados preliminares de 2022, a segunda com maior número no país.

Ainda no Sigma, haviam 41.051 armas registradas por CACs na região militar catarinense até 2018. Em julho deste ano, esse número já estava 318% maior, em 171.907 registros, segundo dados obtidos pelo Instituto Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação (LAI) e revelados pelo g1.

 

Há ainda os registros administrados pela PF, no Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Em 2017, Santa Catarina tinha nele 48.939 armas de fogo inscritas, segundo dados também compilados pelo Anuário Brasileiro da Segurança Pública.

Isso subiu 94% até o ano passado, para 95.282 registros ativos de posse — 79% deles eram de cidadãos comuns, que, assim como os CACs, guardam o armamento em casa.

Perfil dos desvios

O aumento da posse por civis vai ao encontro dos dados sobre desvios de armas no Estado. Nos primeiros seis meses deste ano, uma maioria das ocorrências em Santa Catarina se deram por conta de furtos em residências, foram 180 (60,4%), o que repete uma tendência já de anos anteriores.

— A arma de fogo não funciona para espantar bandido. Ao contrário, por seu valor agregado e demanda no mercado ilícito, frequentemente, os criminosos vão buscar especialmente as casas em que sabem que tem armas, só mudarão a estratégia, preferindo furtos, quando não há ninguém em casa, ou roubos em que entram com algum morador rendido, e a chance de reação armada cairá muito — diz Langeani.

 

Segundo o pesquisador, os desvios de armas também acompanham o maior apelo das pistolas no Estado, fenômeno registrado em números no Sinarm.

O sistema da PF identificou que, ao menos de 2020 para o ano seguinte, o tipo de arma que mais cresceu entre os registros foi a pistola, que chegou a 29.699 unidades legalizadas em Santa Catarina, um aumento de 31%.

As autoridades de segurança catarinenses viram que, no começo de 2019, foram mais comuns desvios de revólveres, com 70 casos, o equivalente a 30,3% dos registros. Já no semestre inicial de 2022, a pistola passou a ser o tipo de arma mais desviada, em 92 ocasiões (30,8%) — três anos antes, houve 41 desses desvios.

— O crime recorria à arma que tinha disponível com mais facilidade. Neste perfil se destacavam os revólveres calibre .38. Agora com a enxurrada de entrada de novas armas, mais pistolas e fuzis tem chegado ao mercado ilegal — avalia o gerente do Instituto Sou da Paz.

 

Consequências

O pesquisador defende que a facilitação do acesso às armas de fogo promovida pelo governo Bolsonaro, sob a justificativa de tentar melhorar a segurança pública, deve causar consequências no sentido oposto.

— Isso tem gerado um crime mais armado e com armas mais potentes. No comparativo, pistolas carregam mais munições do que revólver, disparam mais rapidamente e são mais facilmente recarregadas. Temos um paradoxo de uma política pública que deixa mais desafiador o trabalho da polícia para controlar o crime.

Defensores da política armamentista contestam, no entanto, que parte dos índices criminais têm caído em meio a esse processo de flexibilização, caso dos homicídios e de alguns crimes contra o patrimônio, como roubos, o que, em sua visão, se daria justamente por consequência da população estar mais armada.

O argumento tem sido repetido pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em diversas ocasiões ao longo de seu governo.

 

Contudo, no caso das mortes violentas intencionais, Santa Catarina, assim como o Brasil todo, tem tido recuo dos números ao menos de 2018 para cá, um ano antes da política de flexibilização ter sido intensificada. Já no caso dos roubos, a tendência de queda no Estado e também nos dados gerais do país teve início em 2017.

Langeani diz que a pandemia de Covid-19 freou parte das compras de armas e, portanto, adiou também os efeitos mais evidentes da política armamentista.

Ele cita um estudo recém-publicado pela organização americana Bureau Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês) que identificou um prazo de dois a três anos após a introdução de maior porte de armas em grandes cidades dos Estados Unidos para o surgimento do pico de consequências negativas.

— De toda forma, os crimes mais ligados a contextos domésticos, como feminicídios, já tiveram mais Estados com aumento [desde o início da política de flexibilização], mesmo os homicídios gerais estando caindo — diz o pesquisador.

 

Santa Catarina é um exemplo. De 2016 a 2018, o Estado somou 148 casos de feminicídio. Já nos três anos seguintes, o acumulado foi de 170, um aumento de 14%.

O que dizem as autoridades

Procurado pelo Diário Catarinense para tratar dos desvios e sua eventual relação de causalidade com a política de armas do governo federal, a assessoria do Ministério da Justiça e da Segurança Pública comunicou, por telefone, que não se manifestaria.

A reportagem também procurou a Secretaria-Geral da Presidência da República e a Secretaria Especial de Comunicação Social, mas não obteve retorno.

Já o Colegiado Superior de Segurança Pública catarinense comunicou, por meio de sua assessoria, que não faria considerações em razão da legislação eleitoral e do teor político que tange o tema.

 

Em abril do ano passado, uma nova rodada de decretos pró-armas do presidente Jair Bolsonaro foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) ao ser questionada por uma série de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs).

Ainda na ocasião, a ministra Rosa Weber, ao tratar delas, suspendeu parte das medidas dos decretos por entender que elas eram incompatíves com o Estatuto do Desarmamento e excediam as atribuições do presidente.

Weber ainda argumentou em sua decisão existirem inúmeros estudos que associam a facilitação do acesso às armas ao aumento de desvios delas.

"Ao que consta, o próprio Presidente da República já passou pela experiência de ter sua arma de fogo roubada e desviada para o arsenal de criminosos", escreveu ela, ao mencionar episódio de 1995, quando Bolsonaro teve uma pistola Glock 38 roubada.

 

As ADIs sob relatoria de Weber, assim como outras relatadas pelo ministro Edson Fachin também sobre a flexibilização das armas, ainda aguardam hoje parecer do plenário do STF. O julgamento delas foi paralisado em setembro de 2021, após o ministro Kassio Nunes Marques ter pedido vistas, ou seja, mais tempo para análise.

Fonte(s): nsc

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