Os casos de assédio eleitoral investigados pelo Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina (MPT-SC) envolveriam, ao menos em parte, situações de coação de empresários em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), de demissão atribuída a eventual vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e até de pressão para a ida de funcionários a um evento no Estado com Michelle Bolsonaro. Há ainda supostos casos de ameaça, constrangimento e xenofobia.
Os episódios investigados envolveriam de pequenas empresas a gigantes da indústria e do comércio em Santa Catarina, de todas as regiões, atuantes nos ramos supermercadista, de alimentos, do transporte rodoviário e de vestuário, entre outros segmentos.
Entre os episódios averiguados em detalhes pela reportagem, o presidente Jair Bolsonaro é expressamente defendido na maior parte deles. Há ainda dois casos, de uma indústria têxtil e de uma empresa de embalagens, que privilegiaram a distribuição de santinhos de candidatos ao Legislativo.
Bolsonaro não é parte investigada pelo MPT-SC nos casos suspeitos em que aparece. Também não há indicação de que ele tenha ingerência sobre os atos dos empresários.
O NSC Total questionou a campanha do presidente, na última sexta, se ele estaria ciente sobre a ocorrência de episódios de assédio eleitoral em seu favor, se repudia a conduta e se orienta os seus próprios apoiadores a refutarem e denunciarem esse tipo de prática. Não houve retorno ao menos até a publicação desta reportagem.
O assédio eleitoral é uma violação prevista pela Convenção n.º 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um tratado entre países do mundo todo, incluindo o Brasil, para coibir a violência e o assédio no trabalho.
Ele ainda pode envolver a concessão ou a promessa de benefícios em troca de voto, o que é crime eleitoral. Assim, eventuais representações do MPT podem ser interpostas pela Procuradoria-Geral Eleitoral em Santa Catarina (PGE-SC).
Até esta segunda (24), a PGE-SC já apurava 25 notícias de fato sobre assédio eleitoral supostamente praticado por empresas e associações empresariais. São investigadas possíveis práticas dos crimes previstos nos artigos 299 e 301 do Código Eleitoral, que tratam de compra de voto e coação eleitoral. A maioria dos casos seriam em benefício de Bolsonaro, segundo o Tribunal Regional Eleitoral em Santa Catarina (TRE-SC).
"Vão demitir geral"
A prática mais comum entre os casos suspeitos de assédio eleitoral na mira do MPT-SC, aos quais a reportagem teve acesso em detalhes, seria a de ameaça de demissão aos trabalhadores coagidos a votar em Bolsonaro.
No Extremo-Oeste de Santa Catarina, uma indústria de móveis estaria exigindo o voto no presidente e já teria demitido os que declararam apoio ao candidato considerado adversário da empresa, conforme narra a notícia entregue ao MPT-SC.
A chantagem estaria indo além do alcance dos funcionários do local: "[...] caso o candidato deles venha perder a eleição vão demitir geral", seria o tom do assédio.
Ainda na região, em uma oficina de veículos em São Miguel do Oeste, o dono também teria afirmado aos funcionários que seriam demitidos em caso de vitória do PT.
No Sul de Santa Catarina, a mesma ameaça teria aparecido em uma universidade particular e em uma fábrica de sorvetes que abastece lojas espalhadas no país.
Na universidade, o reitor estaria colocando em risco o emprego de supostos desafetos políticos, conforme narra a denúncia que chegou ao MPT-SC. Nas redes sociais, o investigado teria declarado voto para Bolsonaro e faria críticas recorrentes ao PT. Já no caso da indústria de sorvetes, a ameaça é de que, em caso de derrota de Bolsonaro, haveria corte de gastos de 30% dos funcionários.
Ainda na região, em uma empresa de metalurgia, o dono estaria reforçando aos funcionários que vai fechar a empresa e se mudar ao Paraguai em caso de vitória de Lula.
Na Grande Florianópolis há suspeita de situação parecida envolvendo uma empresa de serviços de internet. Ela teria reunido colaboradores para dizer que "se a esquerda ganhar vai fechar as portas e vamos ficar sem salário e emprego".
Em um caso da região de Joinville, de uma empresa especializada em pintura de peças industriais, a coação teria sido praticada pelo próprio dono da empresa, que convocou uma reunião para pedir votos a Bolsonaro "sob risco de perda dos empregos e crise na empresa".
A empresa ainda publicou nas redes sociais, a dois dias do primeiro turno, uma foto em que os funcionários aparecem vestindo uma camiseta amarela com detalhes e o nome da indústria em verde acompanhada da expressão "#BrasilAcimaDeTudo".
Ainda no dia 30 de setembro teria ocorrido reunião semelhante em uma indústria têxtil do Vale do Itajaí. O dono da empresa teria interrompido a produção fabril para, diante de todos os colaboradores, passar 30 minutos tecendo elogios a Bolsonaro e considerações desrespeitosas ao principal adversário do presidente. Ele teria encerrado a fala dizendo que o emprego de cada um “dependeria da vitória do candidato”.
Funcionários já teriam sido submetidos a situação semelhante anteriormente. Conforme uma conversa de WhatsApp anexada à denúncia, um colaborador brinca em tom de lamento com os colegas sobre já estarem preparados para a reunião em que o chefe falaria mal do PT.
Ofensa e xenofobia
As ameaças de demissão ainda vêm acompanhadas de ofensas e condutas violentas em algumas ocasiões. Em um caso na região serrana, por exemplo, o chefe de um restaurante foi denunciado à Procuradoria por perseguir e ameaçar uma funcionária devido a ela exibir o número 13, alusivo ao PT, em seu próprio carro.
O suspeito teria dito, aos gritos e em frente aos demais colaboradores do local, que a vítima era "burra igual ao Lula". Também teria questionado como a colaboradora tinha "coragem de votar em um ladrão", dito que ela não tinha uma religião nem vergonha e ameaçado demiti-la em caso de vitória do candidato petista.
Ainda conforme a denúncia enviada ao MPT-SC, a vítima, que trabalhava no restaurante sem registro formal há cinco meses, teria ido embora após o constrangimento.
Já em uma loja atacadista do Sul Catarinense, trabalhadores vindos do Nordeste e do Norte do país foram vítimas de ofensas xenofóbicas e de demissão por declararem preferência em Lula após terem sido questionados sobre o tema pela gerente do local, filha da proprietária.
Em uma reunião na manhã seguinte ao primeiro turno, a suspeita, que já teria pedido votos para Bolsonaro anteriormente, teria reunido os trabalhadores da loja para afirmar que os nordestinos do grupo deveriam voltar à sua região de origem, “para viver de Bolsa Miséria e comer farinha”, conforme narrou uma testemunha do caso ao MPT-SC.
Em Itapema, uma contadora publicou um vídeo nas redes sociais, após a consolidação dos resultados do primeiro turno das eleições presidenciais, com o qual orientava clientes a não contratarem os “desgraçados nordestinos” que procuram emprego em Santa Catarina.
Por determinação de um TAC firmado com a Procuradoria, ela teve de gravar um novo vídeo, mas desta vez se desculpando com a sociedade e, em especial, com os nordestinos e reiterando a liberdade de cada um para exercer o direito do voto.
Evento com Michelle
Situações de assédio eleitoral também são investigadas em uma gigante de alimentos do Oeste de Santa Catarina acionada por ao menos duas denúncias. Uma delas aponta que superiores hierárquicos estariam induzindo os subordinados a votarem em Bolsonaro.
O próprio denunciante afirma, no entanto, não ter provas documentais, devido ao assédio ter sido praticado verbalmente, e o MPT-SC aponta a necessidade de adotar diligências prévias.
A mesma indústria ainda foi submetida a uma outra denúncia, da semana passada, de que os colaboradores estariam sendo convocados para um evento com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, na região. "Nos bastidores, está ocorrendo uma ameaça aos que não forem", diz a notícia de fato que chegou ao MPT-SC sobre a convocação.
Um outro caso envolvendo uma gigante de alimentos em Santa Catarina, mas na região serrana, trata de situação em que funcionários favoráveis a Lula estariam sendo identificados a partir de suas publicações nas redes sociais. Uma vez entendidos como petistas por esse monitoramento, cada um deles teria sido abordado por uma pessoa que tentava convencê-los a mudar de opinião.
Já em uma fábrica de eletrodomésticos no Oeste Catarinense, a identificação de opositores teria sido feita a partir da aplicação de um questionário ideológico aos funcionários.
Cada um deles estaria sendo convocado individualmente pela técnica em segurança da empresa para responder se é favorável ao fechamento de igrejas, ao uso compartilhado de banheiro entre crianças nas escolas, à liberação das drogas e à invasão de terras. Ao final, seria dito, conforme o denunciante, que o funcionário deveria votar em Bolsonaro.
Em uma empresa de fabricação de vidros no Sul do Estado, também um técnico em segurança e um encarregado estariam coagindo subordinados a votar no presidente.
Constrangimento em verde e amarelo
Os episódios de assédio eleitoral sob investigação no Estado também envolveriam a imposição de uniformes e outros itens alusivos a Bolsonaro no ambiente de trabalho.
Na antevéspera do primeiro turno, colaboradores de uma empresa importadora de equipamentos para a indústria têxtil teriam sido orientados a vestirem camisetas do Brasil ou nas cores verde e amarela. No mesmo dia e já fora de expediente, ainda teriam sido obrigados a decorarem os espaços da empresa com itens nas mesmas cores.
Ainda circulou um vídeo entre os funcionários, ao qual a reportagem teve acesso, de um suposto encarregado que, na ocasião do 7 de Setembro, discursa pela "liberdade" e encerra a fala com o slogan bolsonarista "Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos".
Em uma empresa catarinense de produtos de fibrocimento, teria sido colocada uma toalha com o rosto de Bolsonaro estampado no refeitório dos funcionários.
Já em uma empresa de embalagens plásticas no Sul de Santa Catarina, onde a direção estaria manipulando funcionários a votarem no atual presidente, teria sido posto um outdoor na entrada do local uma imagem da bandeira do Brasil acompanhada da seguinte mensagem: "Merecemos um país sem corrupção! Só depende do seu voto".
Um banner com a mesma frase teria sido exposto na entrada de uma indústria de implementos rodoviários no Estado, também investigada pelo MPT-SC.
Há ainda um caso em investigação envolvendo uma provedora de internet que teria adesivado os carros da empresa com fotos de Bolsonaro e submetido os veículos dos funcionários ao mesmo procedimento.
Endosso sem menção expressa
Há ainda outros episódios sob investigação em que empregadores parecem endossar a reeleição de Jair Bolsonaro, mas sem fazer menção expressa ao presidente.
No caso de uma indústria de revestimentos do Meio-Oeste, teria sido divulgada uma carta aos colaboradores em que o empregador diz considerar o cenário dos últimos três anos difícil ao mundo todo, mas um pouco menos ao Brasil devido à atuação que trata como certeira de governantes em relação à economia.
"Arrumar os 30 anos que nosso país vem sofrendo nas mãos de políticos desonestos não será possível em 4 anos, mas o que podemos ver é que o pontapé inicial foi dado em 2019 e que estamos no caminho certo", afirma o texto da empresa, fazendo menção ao ano do início do atual mandato de Bolsonaro.
A carta ainda alerta sobre a situação da Argentina, que, segundo o empregador, "começou a cair em desgraça em 1950 quando a esquerda chegou ao poder", e diz que a indústria seguirá produzindo independentemente do resultado das eleições. Ainda assim, ela pondera: "[...] dependendo dos governantes que assumirão em 2023, poderá ser: mais ou menos sofrido para todos".
Também investigada, uma empresa da Serra Catarinense que está entre as maiores exportadoras de celulose do país teria adotado o mesmo formato de comunicado para supostamente coagir os funcionários, com o qual também faz alusão a Bolsonaro ao tratar de questões econômicas.
"O Brasil da mesma maneira está conduzindo sua economia de forma brilhante e acreditamos que estamos nesse momento enxergando uma luz no final do túnel. Tudo isso repercute no momento de nossas eleições com uma disputa importantíssima no nosso país", escreve o informativo, assinado pelo presidente da companhia.
"Desde moleque eu sempre ouvi que o Brasil é o país do futuro. Eu acredito nisso, mas não é andando para trás que se remove montanhas", completa.
Ainda na região serrana, o presidente de uma indústria de máquinas e implementos agrícolas teria divulgado nos grupos de WhatsApp de subordinados um vídeo, ao qual a reportagem teve acesso, em que pede um "voto verde e amarelo".
Recomendação
A Procuradoria tem acionado os casos suspeitos com uma recomendação, um documento com o qual orienta a empresa sobre a ilegalidade de ameaçar trabalhadores, induzi-los ou coagi-los para obter votos em prol de qualquer candidato.
A recomendação, que pode resultar em medidas judiciais caso seja descumprida, ainda costuma determinar que o empregador dê ampla publicidade aos funcionários sobre a reprimenda do MPT-SC e os direitos trabalhistas e eleitorais de cada um, na tentativa de resolver cada caso mais rapidamente, antes de eventualmente avançar à Justiça.
Há episódios, por exemplo, em que o empregador investigado por compartilhar mensagens indevidas em grupos de subordinados no WhatsApp precisou voltar ao mesmo espaço da rede social para se retratar. Outros canais de comunicação e espaços físicos das empresas, como murais de avisos, também foram utilizados para isso.
Contrariedade
Nem todos os empregadores suspeitos, no entanto, acataram prontamente as recomendações do Ministério Público do Trabalho. É o caso de um empresário à frente de uma indústria catarinense de implementos para transporte rodoviário.
Ao MPT-SC, ele foi denunciado por, supostamente, ter assediado moralmente os funcionários de maneira a tentar violar o direito deles ao voto. Não há menção, na denúncia, sobre quais candidatos seriam favorecidos pelo ato.
Após ter sido notificado, ele teria enviado um áudio, obtido pelo MPT-SC e ao qual a reportagem teve acesso, a um grupo de WhatsApp em que se queixa da conduta da Procuradoria. A mensagem é supostamente enviada a proprietários de um mesmo condomínio, todos eles empresários, segundo o próprio autor da gravação.
Ele inicia a gravação afirmando que precisou, recentemente, demitir 12 dos 160 funcionários dos quadros de suas duas empresas, atribuindo isso às dificuldades econômicas do mercado de transportes, e não a questões políticas.
"Para a minha surpresa, hoje, acabei de receber duas notificações do Ministério do Trabalho [sic]. Em outras palavras, dizendo que eu sou um marginal, que eu sou... um... é... que eu tô induzindo e impondo, e quem não vota em determinado candidato perde o emprego. E aí me pediram a documentação, olha, até da sogra dos funcionários, a idade que ela tem e coisas a mais. Para vocês ter o absurdo [sic]", diz o empresário.
"E a Procuradoria do Ministério Público do Trabalho federal me mandou outra notificação e me explicou como é que eu devo fazer dentro das minhas empresas, o que eu tenho que fazer, como é que eu tenho que tratar os funcionários... é, me dizendo assim 'tu é obrigado a você trabalhar e os funcionário [sic] ficar sentado na tua cadeira', em outras palavras."
"É de chorar, viu. Eu imagino, se nós estamos assim, se der do outro lado, o que é que nós vamos fazer. E eu vou, com toda a sinceridade, vou salvar a minha empresa. As demissões vão acontecer se der alguma zebra aí, talvez até feche as empresas, preservo o meu patrimônio até quando dá, passo... transformo esse patrimônio, talvez, em moeda corrente e vou fazer outra coisa na vida", afirmou o empregador.
Além das orientações comuns a outras recomendações, a Procuradoria pediu dados pessoais e trabalhistas dos atuais colaboradores da empresa e dos já demitidos.
Onde denunciar assédio eleitoral
- Site do MPT;
- Pelo aplicativo MPT Ouvidoria, para dispositivos Android;
- Pelo aplicativo Pardal, que também se comunica com o MP Eleitoral, para IOS e Android;
- No sindicato de cada categoria;
- No Ministério Público Federal;
- Nas procuradorias regionais.
Fonte(s): NSC
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