As eleições da Academia Brasileira de Letras são pautadas pelo sigilo e pelo mistério. Os imortais, como os acadêmicos são chamados, não dão uma palavra antes do pleito -e às vezes nem depois dele.
Embora humilde, cerca de uma hora antes da eleição sua fala se confundia, com verbos conjugados ora no subjuntivo, ora no passado, ao ser questionada sobre o que poderia trazer de novo à academia.
— Preciso esperar ser aceita. Só vou sair de dentro da casa daqui a três ou quatro meses, quando acontecerá a posse. Agora fui aceita, mas não tenho a posse — afirmou, em entrevista por videoconferência, de seu apartamento no Rio de Janeiro.
Confusão verbal à parte, ela tinha razão. Entre os 35 imortais, 32 votaram a seu favor. Dois votaram em branco e um se absteve ou votou nulo, num imbróglio que a academia ainda está averiguando.
Não precisou nem cortejar os imortais, como é de costume nos meses que antecedem a eleição. É uma aposta arriscada, pode-se dizer. Não deu certo para Conceição Evaristo, por exemplo, que tampouco fez o cortejo e recebeu apenas um voto, ao tentar se eleger em 2018.
— Eu me inscrevi e me ausentei. Não dei entrevista, não cavuquei espaço nem temperei uma chegada. Isso não me compete. Me propus e saí de cena. Como atriz, meu papel é me preparar. Só se entra em cena quando chega a hora.
Agora que as cortinas acabaram de se abrir, a atriz talvez possa começar a matutar seu papel na academia. Ela sabe que uma das principais tarefas que rege os encontros dos imortais, atualmente híbridos entre o mundo de carne e osso, é o debate.
A diferença é que ela não se furta de tornar seu debate público, diferente do que os outros membros normalmente fazem. À reportagem, não poupou críticas ao presidente Jair Bolsonaro, tampouco ao ex-presidente Lula, ao discutir o cenário político do Brasil e a corrida eleitoral que se aproxima. De acordo com Montenegro, tudo está em estrema desgraça porque existe a reeleição.
— Estamos vivendo um momento complicadíssimo, porque um quer continuar e outro quer voltar. Esse horror quer continuar, e o outro, apesar de ter sido bastante interessante, quer voltar. Mas com quem? Com o quê? Com qual atendimento político honesto e sadio, sem ter que comprar votos para continuar, por exemplo? — questiona ela — Para ser reeleito, vale entregar a pátria, tirar o prato de comida de um desamparado, vale deixar que não tenham água encanada para se lavar desse vírus, vale não ter onde defecar porque não tem nem onde morar.
A atriz diz ter esperanças em uma alternativa ao que já é previsto para as eleições de 2022.
— Eu espero um jovem candidato, sem as heranças negativas que nos trouxeram para este sufoco. Não nego a importância dos governos que precederam este monstro, a partir de Itamar. Mas este homem só está aí porque não se fez o que precisava ser feito. Não se fez um pouco mais, e não se fez em função de uma reeleição. O grande ganho político que poderíamos ter no Brasil seria o fim da reeleição presidencial.— opina.
Fonte(s): NSC
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