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"Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô", diz Mourão sobre tortura na ditadura

Regime teve uma estrutura dedicada a tortura, mortes e desaparecimento

Vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão disse nesta segunda-feira (18) não haver o que apurar sobre tortura na ditadura militar (1964-1985) e ironizou: 

— Já morreram tudo, pô.

Candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul, Mourão tem uma postura de defender e minimizar o regime que torturou e matou no país.

— Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô — disse, seguido de risos. — Vai trazer os caras do túmulo de volta lá?

Mourão foi questionado por jornalistas a respeito de áudios inéditos de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) que apontam denúncias de tortura durante o período da ditadura militar.

O conteúdo das gravações, fruto do trabalho do professor de história do Brasil Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi divulgado pela jornalista Míriam Leitão, do jornal O Globo, e confirmado pela Folha de S.Paulo.

— História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país — afirmou o vice-presidente. 

Ele disse, então, que "houve excesso de parte a parte".

No primeiro ano de governo, em entrevista ao jornal francês Le Monde, Mourão chegou a dizer que a ditadura matou "poucas pessoas".

O regime enaltecido por Mourão teve uma estrutura dedicada a tortura, mortes e desaparecimento.

Os números da repressão são pouco precisos, uma vez que a ditadura nunca reconheceu esses episódios. Auditorias da Justiça Militar receberam 6.016 denúncias de tortura. Estimativas feitas depois apontam para 20 mil casos.

 

Presos relataram terem sido pendurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, estrangulamento, tentativas de afogamento, golpes com palmatória, socos, pontapés e outras agressões. Em alguns casos, a sessão de tortura levava à morte.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) listou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas. Outros 33 desaparecidos tiveram seus corpos localizados posteriormente, num total de 434 pessoas.

Políticos de diversos partidos têm criticado a fala de Hamilton Mourão.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que "o deboche inumano do vice-presidente Mourão com os que foram torturados na ditadura dá a exata dimensão da escória que chegou ao poder com Bolsonaro. Trogloditas insensíveis, despreparados e disparatados. Uma lástima".

Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato a deputado federal por São Paulo e coordenador do do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), disse que "muitos torturados seguem vivos". "Muitas mães seguem até hoje sem saber onde estão seus filhos desaparecidos. É por isso que exigimos memória, verdade e justiça, senhor Mourão!".

Para o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), ao debochar da possibilidade de investigar torturadores da ditadura, Mourão "mostra que não se importa com as famílias das vítimas e muito menos com a história do Brasil. Não à toa está sentado ao lado de Bolsonaro, exaltador de torturadores".

O advogado Ariel de Castro Alves, presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, também criticou a postura do vice-presidente.

Segundo ele, os risos e o deboche por parte do general Mourão demonstram "o quanto o governo Bolsonaro é comprometido com a memória, a verdade, a democracia e os direitos humanos".

Alves considera que a atitude do vice-presidente afronta as famílias dos mortos e desaparecidos políticos e dos "20 mil presos e perseguidos políticos torturados no regime militar e a todos os cidadãos brasileiros que acreditam num país republicano e democrático".

"Em um país minimamente civilizado, autoridades públicas que exaltam regimes antidemocráticos, torturas, prisões arbitrárias, assassinatos e desaparecimentos forçados, seriam banidas da vida pública. Esperamos que em breve eles sejam expulsos da vida pública pelo voto popular!", afirma.

Historiador planeja seguir com análise

O professor Carlos Fico relata que a busca pela revelação das gravações se estendeu por anos.

Segundo ele, o advogado Fernando Fernandes pediu ao STM acesso às gravações, mas não conseguiu em um primeiro momento. Depois, acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a liberação do conteúdo em 2006, mas a decisão não foi cumprida imediatamente pelo STM, diz Fico.

— Em 2011, a ministra Cármen Lúcia tomou a decisão de abrir os áudios, e foi acompanhada pelo plenário — diz Fico, que planeja seguir avaliando o material.

Com os áudios liberados, Fico também passou a analisar o material, que agora veio à tona. 

— É um trabalho penoso. Demorado — acrescenta.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, senador Humberto Costa (PT-PE), disse que o colegiado irá se debruçar sobre o conteúdo dos áudios revelados e não descarta chamar o professor da UFRJ para ser ouvido para aprofundar o debate sobre as torturas realizadas por agentes da ditadura militar.

— Como Comissão de Direitos Humanos, temos a obrigação de investigar qualquer tipo de denúncia de desrespeito aos direitos humanos, particularmente na temática de tortura, em especial no momento que vivemos, em que alguns daqueles que viveram e apoiaram a ditadura partem para uma defesa do que eles chamam de virtudes do regime militar — diz ele.

Para o senador, o apoio e elogio de Bolsonaro e seus seguidores ao período, além de sinalizações autoritárias do presidente, tornam ainda mais urgente a atuação do Congresso.

— É bom lembrar que, há pouco, a ordem do dia das três Forças Militares e do ministro foi no sentido de louvar o golpe militar e os anos de ditadura — diz.

Fonte(s): NSC

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